Oscar Wilde é outro nível..

   Espero  que  o  Dorian  lhe  tenha  falado  do 
meu plano de rebaptizar tudo, Gladys. É uma ideia extraordinária. 
-  Mas  eu  não  quero  ser  rebaptizada,  Harry  -  retorquiu  a  duquesa, 
erguendo  para  ele  os  seus  olhos  maravilhosos.  –  Estou  plenamente  satisfeita 
com o meu nome, e tenho a certeza de que Mr. Gray deve estar satisfeito com 
o dele. 

-  Minha  querida  Gladys,  por  nada  deste  mundo  iria  alterar  qualquer 
deles.  Ambos  são  perfeitos.  Eu  estava  a  pensar  principalmente  nas  flores. 
Ontem  cortei  uma  orquídea  para  pôr  na  botoeira.  Era  um  exemplar 
maravilhoso,  às  pintas,  tão  eficaz  como  os  sete  pecados  mortais.  Num 
momento de irreflexão, perguntei a um dos jardineiros o nome dela. Disse-me 
que era um exemplar perfeito da Robinsoniana, ou qualquer coisa horrível do 
género. É uma triste verdade, mas perdemos a capacidade de atribuir nomes 
bonitos  às  coisas.  Os  nomes  são  tudo:  Nunca  tenho  divergências  com  as 
acções. A minha única divergência é com as palavras. Esse é o motivo por que 
detesto o realismo grosseiro na literatura. O homem que chama pá a uma pá devia ser obrigado a usar uma. É a única coisa para que ele serve

- Nesse caso, o que lhe havíamos de chamar, Harry? - perguntou ela. 
- O nome dele é Príncipe Paradoxo - disse Dorian. 
- Reconheço-o num relance - exclamou a duquesa. 
- Nem quero ouvir tal coisa - protestou Lord Henry a rir, refastelando-se 
numa cadeira. - Não se consegue escapar a um rótulo! Recuso o título. 
- A realeza não pode abdicar - pronunciaram, como um aviso,os formosos 
lábios. 
- Quer então que defenda o meu trono? 
- Quero. 
- Eu comunico as verdades de amanhã. 
- Eu prefiro os erros de hoje - replicou ela.
-  Você  desarma-me,  Gladys  -  exclamou  ele,  apercebendo-se  da  sua 
obstinação caprichosa. 
- Do seu escudo, Harry, não da sua lança. 
-  Nunca  uso  lança  contra  a  beleza  -  retorquiu,  fazendo um  gesto  com  a 
mão. 
- Esse é o seu erro, Harry, creia-me. Dá demasiado valor à beleza. 
- Como pode dizer uma coisa dessas? Admito que consideromelhor ser-se 
belo  do  que  ser-se  bom.  Mas,  por  outro  lado,  ninguém  mais  do  que  eu  está 
disposto a reconhecer que mais vale ser-se bom do que ser-se feio. 
- Sendo assim, a fealdade é um dos sete pecados mortais? - exclamou a 
duquesa. - O que aconteceu à sua alegoria da orquídea? 
-  A  fealdade  é  uma  das  sete  virtudes  mortais,  Gladys.  Como  boa 
conservadora  que  é,  não  devia  subestimá-las.  A  cerveja,  a  Bíblia  e  as  sete 
virtudes mortais fizeram da Inglaterra o que ela é. 
- Não gosta então do seu país? - perguntou-lhe. 
- É nele que vivo.
- Para melhor o censurar. 
- Quer que eu assuma o veredicto da Europa sobre ele? -inquiriu. 
- Que dizem eles de nós? 
- Que Tartufo emigrou para Inglaterra e abriu uma loja. 
- A frase é de sua autoria, Harry? 
- Ofereço-lha. 
- Não poderia usá-la. É demasiado verdadeira. 
-  Não  tenha  receio.  Os  nossos  compatriotas  nunca  reconhecem  uma 
descrição. 
- São práticos. 
-  São  mais  astutos  do  que  práticos.  Quando  fazem  o  balanço  no  livro 
razão, saldam a estupidez com a fortuna e o vício com a hipocrisia. 
- Mesmo assim, temos feito grandes coisas. 
- As grandes coisas é que foram lançadas sobre nós, Gladys. 
- Temos carregado com esse fardo. 
- Somente até à Bolsa de Valores. 
Ela fez um aceno negativo com a cabeça. 
- Acredito na raça - exclamou
- Representa a sobrevivência do esforço. 
- Tem evoluído. 
- A decadência seduz-me mais. 
- E a Arte? - perguntou ela. 
- É uma doença. 
- O Amor? 
- Uma ilusão. 
- A Religião? 
- O moderno substituto da Crença. 
- Você é um céptico. 
- Nunca! O cepticismo é o começo da Fé. 
- Você o que é? 
- Definir é limitar. 
- Dê-me uma pista. 
- Os fios partem-se. Ficaria perdida no labirinto. 
- Você deixa-me confusa. Falemos de alguém. 
-  O  nosso  anfitrião  é  um  tema  fascinante.  Há  uns  anos baptizaram-no 
Príncipe Encantado.

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