Ao contrário do que normalmente se espera, os nossos mais remotos antepassados configuram, no seu todo, uma civilização fascinante. Aparentemente do nada, conseguiram construir algo de concreto e, na nossa ótica, foram os seres humanos que mais conseguiram desbravar terrenos, possibilitando que as gerações modernas ou, pelo menos, ditas mais modernas, pudessem alcançar todos os feitos e erigir uma série de monumentos. Assim, de geração em geração, fazem sucessivamente a marca visual e intelectual em todos nós.
A presença desses primeiros povos é acentuada, tanto no campo préhistórico quanto no seguinte, conhecido por proto-história, acima de tudo em Portugal, e até mesmo no Brasil, com a oportunidade de aprendermos que, sem dúvida, esses primeiros homens não eram, longe disso, os brutos que a tradição tem pretendido afirmar.
A criação de primitivos santuários, em que o simbolismo da pedra era bastante superior àquele de hoje em dia, revela que existiu, desde tempos remotos, um pensamento mítico.
Aliás, tendo em conta que os primeiros rituais de adoração a seres superiores são datáveis (na Europa), há 40 mil anos, a recente descoberta da pesquisadora Sheila Olson, professora da Universidade de Oslo, não deixa de ser algo extraordinário.
O fato aconteceu no atual território do Botswana, em continente africano de onde o homem surgiu, opinião comumente aceita pelos historiadores. Aqui, restos de uma enorme pedra talhada em forma de serpente surpreende a todos. Em primeiro lugar, pelas suas dimensões, ou seja, seis metros de comprimento e dois de altura. Em segundo, e talvez o mais importante, o fato de ser datada de 70 mil anos atrás, e de revelar os primeiros rituais de adoração do homo sapiens, fazem com que os anais históricos reescritos, levando em conta estas novas bases teóricas.
Seja como for, o certo é que esta primitiva estátua à uma divindade, no campo a serpente, animal que, ao longo das respectivas épocas, tem sido sempre motivo de discussão, com civilizações que lhe dão destaque positivo (conotando-a com a inteligência e conhecimento) ao passo que as restantes abordam-na de uma maneira totalmente inversa, conotando-a com a maldade intrínseca e a deslealdade. Inclusive, conforme podemos observar no Antigo Testamento, a serpente foi condenada a rastejar, eternamente, sobre o seu próprio ventre devido à sua atuação maléfica.
Aqui, em pleno deserto do Kalahari, algum local nas colinas de Tsodilo, esta imponente estátua, ao olhos dos arqueólogos, possui apenas o atributo de ter levantado uma série de novas questões, sobretudo indo na direção de algo que defendemos há algum tempo. Ou seja, o primitivo ser humano se preocupava, excessivamente, com questões mágicas e místicas.
E, ainda que não estritamente religioso, havia uma profusão de pequenos focos de noção mágica, quanto mais não fosse no campo da morte. Era aqui que se jogavam os primeiros elementos sociais que vieram a redundar na cosmogonia arcaica, base fundadora da teoria da evolução.
Assim como o Sol e a Lua, eternamente desencontrados, mas continuamente alternando de posição, também o homem sentia necessidade de dormir, cerrando os olhos, e no dia seguinte, estava desperto e pronto a efetuar suas atividades. Porém, algo contrariava essa rotatividade: e os seres primitivos de então se davam conta de tal fato quando vislumbravam os seus defuntos.
Estranhamente, aqueles seus companheiros não despertavam do sono e, com os olhos sempre fechados, jamais voltavam a acordar para residir entre eles ou acompanhá-los nas empreitadas diárias, fossem caçadas ou cultivo do solo.
A crença na vida após a morte se basearia, segundo acreditam grande parte dos historiadores, na tal rotação lunar e solar. Mas, efetivamente, o corpo em decomposição era algo que, em breve, passou a causar malestar junto à sociedade de então. Por isso mesmo passou a se realizar o sepultamento. E, passo a passo, o ser humano sentiu necessidade de evoluir no que dizia respeito a essa última homenagem ao seu similar.
Como eles tinham a crença de que o corpo efetuava uma viagem até outro mundo, passaram a enterrá-lo com os seus pertences mais importantes. Naturalmente que, sendo um caçador, necessitaria da sua ponta de lança aguçada, assim como de pequenos utensílios domésticos e todos, sem exceção, eram enterrados com um pequeno talismã, como proteção em locais mágicos que desconheciam por completo.
Além disso, a noção de morte como um renascimento fez com que o corpo fosse normalmente colocado em posição de decúbito frontal, sendo que os membros inferiores e superiores seriam configurados de modo a transparecer a posição fetal.
A nosso ver foi esta a mais importante evolução na história do ser humano, isto é, a noção de humanismo, essa sensação intrínseca que nos passou a distinguir dos animais irracionais.
De acordo com Charles Darwin (1809-1882), autor do livro A Origem das Espécies3, de 1859, “o homem tem justificação para sentir certo orgulho por se ter elevado, ainda que não fosse o próprio impulso, ao topo da escala orgânica; e o fato de ter subido de tal modo, em vez de ter permanecido nas origens, pode dar-lhe a esperança de um destino ainda mais elevado num longínquo futuro”.4
Muitos elementos poderiam ser acrescentados, mesmo que ainda hoje, existam algumas dúvidas quanto às origens mais remotas do ser humano. Sabemos que há aproximadamente 40 milhões de anos, na região de Faiyum, no Egito, surgiram seres mais evoluídos, possuindo 36 dentes. Mas eram ainda possuidores de características símias demasiado óbvias.
Cinco milhões de anos depois surge-nos o oligopiteco, um ser vivo com uma dentição mais reduzida que os seus antecessores e que, para muitos, se trata do verdadeiro antepassado do homem atual. Deveria ser um gigante, com aproximadamente 2,70 metros de altura e com cerca de 300 quilos.
Seja ou não, este gigantopiteco a nossa origem mais remota, o certo é que na verdade os analistas são unânimes – o ser humano surge da zona africana. O achado arqueológico do esqueleto de Lúcia, um australopiteco da região de Afar (África) é um dos elementos mais sólidos de que dispomos para efetuar tal afirmação. Seria alguém que morreu com cerca de vinte anos, bípede, caminhando praticamente ereto e com um metro de altura.
Na observação do gigante símio em contraposição com o frágil australopiteco uma dúvida assola a nossa mente: como é que o ser fisicamente mais frágil obteve a superioridade, tornando-se a evolução a partir de um gigante? A resposta reside na massa cinzenta a que vulgarmente chamamos cérebro. O aumento do crânio redundou em maiores capacidades e, mesmo que o homo africanus ainda estivesse em formação intelectual, o certo é que obteve o domínio de instrumentos de pedra, posto que a força bruta do gigantopiteco nada poderia contra a força das armas. Afinal de contas, tem sido essa a lógica da sociedade desde então…
Tempos mais tarde tem lugar uma das mais importantes conquistas do ser humano – a descoberta do uso do fogo. Aprender a manejá-lo foi uma tarefa árdua, mas o homo erectus, assim definido por se apoiar, com destreza nos membros inferiores, alcançou tal desejo.
A partir de então, o ser humano poderia vislumbrar durante a noite cerrada, de conseguir aquecer-se e, mesmo, afastar os predadores indesejáveis. Isso terá levado a uma vida em comunidade, agregando-se diversos elementos que contribuíam para a existência de uma sociedade, ainda que primitiva.
Foi essa associação entre diversos elementos que tornou possível o aparecimento do primeiro homo sapiens, o que surge “entre 300 e 200 mil anos; as descobertas de Swanscombe na Inglaterra e de Steinheim na Alemanha mostram uma mais desenvolvida capacidade no trabalho da pedra, os restos de crânios encontrados em Fontechévade, na França, indicam uma estrutura já semelhante à nossa. Mais tarde, há cerca de 65 mil anos, é a vez do homem de Neanderthal, há muito famoso; a sepultura intencional dos mortos e os vestígios dos ritos funerários assinalam um ulterior desenvolvimento das faculdades mentais.”5
Ainda assim, a grande verdade é que a polêmica em torno da possível miscigenação entre neanderthais6 e homo sapiens parece ser recorrente. A descoberta do esqueleto de criança no abrigo de Lagar Velho, na vale do Lapedo (Leiria – Portugal), em 1998 voltou a colocar a questão em debate. Este esqueleto, posteriormente apelidado de menino do Lapedo, terá vivido há cerca de 24 mil anos, sendo, muito provavelmente, a “prova do contato” entre as duas espécies humanas, comprovando, no mínimo, que houve partilha de espaço entre elas.
Os neanderthais, ao contrário do muito que se tem escrito, parecem ter sido, de certa forma, bem evoluídos, considerando que teriam sido eles, os inventores da cola e, na sua profícua atividade de caçar veados conseguiriam manter a dispensa sempre cheia, mostrando que os seus conhecimentos intelectuais lhes permitiam perceber que o alimento era fundamental para a sua própria sobrevivência. Além disso, teriam uma linguagem articulada, utilizando 12 fonemas e, ao que tudo indica, duas ou três vogais.
Segundo teorias mais recentes, poderia, diante de uma ocupação do mesmo espaço territorial, ter havido contatos físicos de índole íntima entre neanderthais e homo sapiens, ainda que não tenha sido possível confirmar esta informação. Seja como for, a grande realidade é que não podemos, hoje em dia, descrever a evolução humana como um processo de constante ruptura. Neste caso concreto estamos perante a convivência entre duas fases distintas de evolução intelectual, e, apesar de continuarmos sem ter a noção exata daquilo que realmente aconteceu para que o homo sapiens se tenha imposto – seria apenas uma questão intelectual ou atributos físicos tão relevantes? E até que ponto a genética não desempenhou um papel crucial? – o fato é que a nossa espécie se impôs, aproximando-se do ser humano atual.
Havia, então, chegado o momento para um novo salto evolutivo, desta vez, certamente o mais destacado da história da Humanidade: alcançamos a fase moderna, aquela que nos levou ao aparecimento das grandes civilizações históricas.
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