Henri Durville - a montanha invisível

"Existe u'a montanha situada no meio da terra e no centro do mundo; ela é ao mesmo tempo grande e pequena; é doce além de toda a expressão; é dura e resistente; está muito longe e, entretanto, ao alcance da mão; mas a Providência divina a torna invisível; nela estão ocultos grandes tesouros que o mundo é incapaz de calcular; esta montanha, por malícia do diabo, é rodeada de animais cruéis e aves de rapina que tornam o caminho difícil e perigoso; só aqueles que trabalham por si mesmos podem encontrá-la. "Ide a esta montanha em uma certa noite muito negra e obscura; preparar-vos-eis para esta viagem por longas preces; mas não pedireis conselho a nenhum homem; segui somente o guia que se vos oferecerá”. "Este guia conduzir-vos-á à meia-noite, quando tudo for silencioso e sombrio; armai-vos, então, de uma coragem heróica e resoluta, e dirigir-vos-eis a Deus do mais profundo do coração. Quando tiverdes percebido na montanha o primeiro milagre que se produzirá, será um grande vento que tornará as rochas em pedaços; os leões e dragões ameaçar-vos-ão, mas ficareis firme e não recuareis. Depois da tempestade virá um tremor de terra, depois um grande fogo, que porá o Tesouro a 338 descoberto, mas não podereis ainda perceber. Em seguida, à aproximação da aurora, far-se-á uma grande calma; vereis elevar-se a estrela da manhã e a noite desaparecerá pouco a pouco. Então concebereis um grande Tesouro cuja essência é uma tintura exaltada, com a qual o mundo inteiro, se servisse a Deus, poderia ser convertido em ouro".   Tem-se encontrado já, em diversos lugares, sobretudo nas índias, a alegoria da montanha que conduz ao Templo sustentado por sete colunas como um Tesouro inapreciável. Esta ascensão simboliza a necessidade para o adepto de se elevar acima da matéria, subir a escarpa áspera para deixar as profundezas terrestres e viver na luz pura do Infinito. Na iniciação, esta montanha se eleva no centro do mundo. Efetivamente, se o mundo compreendesse os benefícios, seria o centro da vida social e dirigiria todos os acontecimentos de uma senda harmônica, fazendo de todos os povos uns povos felizes que não possuem história. Mas esta montanha não é revelada senão àqueles que devem abordá-la, porque eles chegaram ao grau da iniciação requerida. Esta montanha é, ao mesmo tempo, grande e pequena. Grande porque seu limite apresenta realmente dificuldades que se imaginam intransponíveis; mas nada é impossível à fé, e a montanha parece pequena, a escarpa torna-se acessível para aquele que a sobe com o único desejo de encontrar a verdade. Ela é doce acima de toda expressão e, no entanto, dura e resistente. Certamente é dura, e é preciso, porque conduz o peso dos séculos e não cede senão depois das experiências necessárias; mas torna-se doce para aquele que a 339 tem galgado quando atinge à contemplação soberana dos bens eternos que ele procurou e mereceu. Ela está longe e, entretanto, está ao alcance da mão. Efetivamente é a nossa ignorância que nos separa do fim de nossas pesquisas. Quando estamos ainda sob o império de nossos sentidos, parece-nos que não poderemos encontrar jamais esta montanha maravilhosa e estamos prestes a negar sua existência; entretanto, quando a hora é chegada, quando os nossos olhos se fixam, a verdade está aí muito perto; não espera senão o nosso esforço para entregar-se. A Providência divina torna-a invisível, e a Providência tem muita razão. Vimos pelos discursos de Mejnour e Zanoni qual seria o perigo de confiar ao primeiro que chegasse os poderes que podem tentar o fraco e levá-lo à prática do mal, utilizando-se de seu poder para fins culpáveis ou simplesmente utilitários. Nesta montanha estão ocultos grandes tesouros. E qual tesouro é maior e mais precioso do que a iniciação? Estes tesouros são tão grandes e tão perfeitos que o mundo não é capaz de os calcular. Ninguém pode conhecê-los antes de estar embrenhado pela senda iniciática e não pode ainda julgar a sua importância senão quando os descobrir. Então, a alegria de uma exaltação divina, retirando-vos de todas as vãs ambições, arrebatar-vos-á mais alto, muito além do que qualquer alegria humana. O que devemos vencer são estas ambições e paixões figuradas aqui pela terrível fauna de animais cruéis e aves de rapina que rodeam a santa montanha. Devemos ser vitoriosos diante de todas as águias e de todos os dragões das nossas paixões mortais, antes de tocarmos o ouro solar. Os próprios primeiros sucessos que podemos alcançar não devem produzir um orgulho insólito. Aquele que começa a tocar a obra iniciática é sempre 340 tentado a acreditar-se um super-homem, destacado da humanidade e superior às suas leis. Eis aí um perigo terrível, porque a queda é mortal e, para o vaidoso que se julgue mestre como aconteceu ao desobediente Glyndon, o encontro com o Guarda do Limiar ameaça lançá-lo no desespero, na loucura e na morte. Só terminam a ascensão aqueles que trabalham por si mesmos. Efetivamente, coloca-se o futuro adepto na senda, mas cada um deve fazer o seu caminho com seus riscos e perigos. É o discípulo que tem o dever de se fazer, de se aperfeiçoar, de adquirir qualidades necessárias à sua iniciação. É um segredo que está conhecido, e o segredo da montanha está também muito próximo da mão, mas é preciso ir à sua procura por si mesmo; é preciso compreendê-lo sem apoio. Ireis a esta montanha por uma noite muito sombria e negra. Certamente, os segredos iniciáticos não são para aqueles que procuram brilhar, mas para aqueles que pedem à meditação as suas luzes interiores, e elas não brilham na claridade e no tumulto da jornada. Não será nas vãs agitações do mundo que podereis tomar consciência do maravilhoso fim prosseguido. É preciso estar preparado por longas preces, mas não é útil pedir conselho a nenhum homem. Aquele que tem a proteção divina, que tem feito por se tornar digno e que, não obstante, tem humilde e longamente pedido, que seriam os conselhos humanos?   341 O que é preciso, é fazer-se a si mesmo, no profundo silêncio, em um grave recolhimento, no servilismo, na paz absoluta de todos os desejos e de todas as paixões. Segui somente o guia que se vos oferecer. Vossa razão vos guiou até aqui e é ela que vos mostrou a excelência desta iniciação tão desejada. Mas, quando estiverdes na senda, um guia se vos oferecerá e é ainda vossa razão, mas uma razão superior, uma intuição sublime que vos fará atingir ao cume desejado. Vosso guia conduzir-vos-á à meia-noite, quando tudo estiver silencioso e sombrio; tomai, então, coragem e dirigi-vos a Deus. E' somente no absoluto recolhimento, quando todos os ruídos forem mortos em vós e em torno de vós, que ousareis tentar a divina aventura. Ainda sentireis o coração apertado de medo. Mas, se vos pu-serdes de acordo com as harmonias superiores, quem poderia atentar contra a vossa serenidade? Caminhai, pois, apesar de vossos receios, sobre a senda que sobe para o Ideal enfim conquistado! Então, vereis grandes coisas. O sopro divino, como um vento impetuoso, fará voar os rochedos em clarões. As vossas antigas concepções fremirão diante da luz ofuscante. Sereis surpreendido, mas não cedereis a esta surpresa. Não voltareis para trás. O novo dia surgirá. Uma grande tempestade e um tremor de terra destruirão em vós e em torno de vós tudo o que restava das vossas antigas idéias, mas o grande fogo do 342 entusiasmo de intuição superior irá subitamente engrandecer diante de vós e encontrareis de repente o tesouro que procuráveis. A estrela da manhã aparecerá; depois virá a aurora e possui -reis este tesouro que tanto desejáveis. Das vossas meditações profundas, como de uma noite sem estrelas, surgirá esta flama que abrasa todo o horizonte, e todas as vossas penas, passadas subitamente, parecer-vos-ão leves. É que o tesouro está em vós; não o soubestes ver, que coisa alguma o tinha feito sentir e que, subitamente, iluminado pela claridade triunfante que não se levanta senão na solidão, tereis encontrado em vós mesmos um reflexo do poder de Deus, um tesouro de forças e de possibilidades que vos elevarão acima de vossas mais soberanas esperanças. Que é que governa os homens? Que é que ofusca o mundo com o seu fausto, quando se sabe ser uma parcela de Deus, participando de sua glória e de seu poder?

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