Henri Durville - Segundo a lenda, Hiram

Segundo a lenda, Hiram era este hábil arquiteto que foi enviado pelo rei de Tiro a Salomão para a construção do Templo de Jerusalém. Conhecia todos os segredos de sua arte, e, demais, como faziam os arquitetos das épocas iniciáticas, compreendia o simbolismo religioso que era a língua internacional de todos os Templos do Universo. Eis porque Hiram, aos olhos dos franco-maçons, simboliza o Conhecimento. Tendo sob as suas ordens um número considerável de obreiros, Hiram tinha-os repartido em aprendizes, companheiros e mestres, e lhes tinha, segundo os graus, dado uma palavra de passe e um sinal, a fim de que, no dia de pagamento e para tornar mais fácil a cada um, ao pedir-lhes a palavra de passe e o sinal de seu grau, fossem eles pagos, segundo a sua resposta. Era impossível passar de um grau a outro sem ter recebido, do arquiteto ou daqueles que eram encarregados de o substituir, a palavra e o gesto do grau superior. Somente o mérito tornava acessível tal graduação. Três companheiros, ambiciosos e sem talento, conspiravam para arrancar ao arquiteto a palavra que ele havia negado, não os considerando dignos de passar para o grau de mestre. Combinaram-se para obtê-la com o recurso da força e alcançarem o seu fim. Na noite do pagamento, um deles se armou de uma régua, o segundo de um compasso e o terceiro de um martelo, e esperaram Hiram, cada um em uma porta do Templo. Aturdido pelo primeiro golpe da régua, Hiram voltou-se para outra porta, mas recebeu um golpe de martelo; depois, caminhando para a terceira porta, 304 encontrou o outro companheiro que lhe enterrou o compasso em pleno coração. Não tinha revelado a palavra. Os assassinos, tomados de um horrível pavor, acharam-se embaraçados diante do cadáver de sua vítima. Conduziram-no bem longe, no vale de Cedron e enterraram-no provisoriamente; depois fugiram. No dia seguinte, a ausência incompreensível de Hiram pôs todos os companheiros em campo. A ausência dos três maus companheiros despertou-lhes a idéia de que alguma desgraça havia sucedido. Procurou-se primeiramente o corpo, que foi encontrado, graças a um ramo de acácia plantada sobre a sepultura de Hiram, improvisada pelos assassinos, que pensavam poder dar-lhe, mais tarde, funerais mais convenientes. Não é preciso admirar este cuidado; acreditava-se outrora que um morto, privado de sepultura religiosa, se prendia aos homens e os perseguia com seu ódio. Encontrado Hiram, encontraram-se mais tarde os assassinos, que pagaram com a vida o crime que haviam cometido. Como dissemos, Hiram é, na Franco-Maçonaria, o símbolo da Iniciação, da Ciência Secreta que não seria confiada senão a pessoas experimentadas, aptas para compreender e incapazes de empregá-la para maus fins. É para conhecer as disposições dos adeptos futuros que é necessário constrangê-los a passar todos os graus. Os três companheiros simbolizam tudo o que se opõe a uma iniciação real: a Mentira que procura matar a Verdade sorrateiramente, por meio da régua que deveria servir para estabelecê-la; a Ignorância que usa brutalmente do malho de uma vontade sem freio; a Superstição que quer tudo medir com o seu pequeno compasso e prefere plantá-lo no coração do Sábio do que renunciar à sua rotina de abrir o seu ângulo estreito até a medida de seus grandes pensamentos.   305 Nenhum desses seres assim representados tem o direito de obter a iniciação e sobretudo pela violência. Sobre o corpo do iniciado, o ramo de acácia, ficando sempre verde, indica a sobrevivência do pensamento dominador do corpo. Há aí uma noção de sobrevivência da alma, a perpetuidade do espírito, implicando um segredo guardado além do túmulo. A acácia não foi escolhida sem motivo para este emblema. Efetivamente, o ritual francês diz textualmente: " A acácia, cujas folhas se dirigem para o sol e se inclinam para o sol poente, era considerada pelos egípcios e árabes antigos como uma árvore sagrada. Era dedicada ao deus do dia, isto é, à luz. No simbolismo da Franco-Maçonaria moderna, preencheu o papel que preenchiam nos Mistérios da antigüidade a palmeira dos Indianos, o salgueiro dos Caldeus, o lótus dos Egípcios, o mirto dos Gregos, o visgo dos Druidas. A acácia é o ramo de ouro da iniciação moderna". O ramo de acácia é, pois, o símbolo do franco-maçom chegado ao grau superior de Mestre. * Voltemos à reconstituição do assassinato de Hiram, na sala funerária forrada de preto. Ela constitui a última experiência. Comunica-se ao postulante que o assassinato acaba de ser cor metido e que o cadáver do grande iniciado está ali, sob este catafalco. É o último iniciado ao grau de Mestre que simula o cadáver.   306 Simula-se procurar os criminosos que se ocultam e que não são conhecidos. Sabe-se somente, segundo a lenda, que o assassínio foi cometido por três companheiros que quiseram obter à força a palavra de passe. Estes três companheiros são perjuros. Aquele que se apresenta como postulante na câmara do meio não será um desses culpados? Deve provar, pois, que é inocente. As luvas que lhe foram confiadas no dia de sua admissão guardarão intactas ainda a sua brancura? O avental de pele branca ficou imaculado? Ele deve apresentá-los nesta candura perfeita, imagem da pureza de consciência e de seus pensamentos. Deve demonstrar que é sempre devotado à Ordem, incapaz de trair os sublimes segredos que vão ser revelados. Os companheiros que se apresentam para ser admitidos ao grau superior, fiéis à Ordem, lamentam-se em torno do cadáver descoberto. O futuro Mestre, para demonstrar a sua inocência, deve, muitas vezes, passar por cima do cadáver. Existe nesta cerimônia um ritual que Osvaldo Wirth nos descreve nestes termos:   "Partindo da cabeça que o contorna, passa por cima do peito colocando o pé direito sobre o braço direito do morto. O pé esquerdo executa em seguida o mesmo movimento, mas, sem repousar, prossegue, descrevendo um arco acima do abdômen para repousar sobre a perna esquerda. O pé direito junta-se logo ao esquerdo, mas só se coloca antes do pé direito do cadáver, onde se vem colocar imediatamente o pé esquerdo, formando um esquadro oblíquo" (O Livro do Mestre).   307 O cadáver acha-se, assim, atrás do postulante ao grau de mestre; aquele mostrou a sua inocência; provou que não tem medo do morto; é digno de tornar-se mestre. O corpo por cima do qual passou não é o despojo do morto; é a matéria perecível da qual devemos separar-nos para atingir uma vida superior. Mas o postulante deve mesmo ser identificado com o morto. Não tem mais que fazer senão tornar-se uno com ele; é uma fórmula antiga: morrer para renascer. Simula-se, pois, um assassinato. É ferido da maneira que foi empregada contra Hiram, pela régua, compasso e malho. Cai por terra e toma o lugar que o último maçom admitido ao grau de Mestre ocupava quando simulava a morte. O postulante morreu; agora, deve ressuscitar. Para despertá-lo da morte, inclina-se para o ouvido, pronunciando seu novo nome que é a palavra de passe dos mestres: Mac Bennac ou filho da putrefação, filho vencedor da morte ou filho do mestre morto. Levanta-se então e a câmara funerária torna-se resplandecente de claridade. É então que ele é realmente Mestre e pode dizer: A acácia me conheceu. A acácia é, como vimos, o símbolo da vida indestrutível, da sobrevivência da alma. A insígnia do Mestre é o esquadro unido ao compasso. A experiência final é, como em toda parte, o apelo da morte; mas aqui esta concepção é figurada de maneira toda especial para a Franco-Maçonaria. É o assassínio de Hiram, caído como mártir do segredo, que deve ser sempre respeitado, que anima a figuração da morte e dos funerais. Aquele que morre por uma causa justa, depois de ter vivido como um iniciado, aproxima-se bastante dos cumes da perfeição. Mas, com esta variante, a idéia é a mesma. O iniciado deve morrer para o mundo, a fim de renascer em uma 308 vida nova. Deve apreciar a vida atual em seu verdadeiro preço, de maneira a deixá- la sem pena, quando o momento vier. Dá-lhe um ramo da incorruptível acácia para lhe mostrar que a verdadeira vida resiste à morte corporal e este emblema é tanto mais frisante quanto o ramo de acácia é considerado como se fosse colhido sobre o cadáver de Hiram. O Sábio pode morrer vítima da brutalidade e da ignorância dos homens, mas em seu espírito ri-se da morte, porque ele previamente a vencera, recebendo a sua iniciação nos Mistérios. Era este o mais alto segredo confiado ao adepto, quando recebia a consagração. Este pensamento o elevava acima da matéria, acima das vis paixões, acima de todas as misérias do mundo. Aceitando e conformando-se com a sua vida, ele vem a ser verdadeiramente o Sábio que conquistou a verdade. O materialismo invadiu a iniciação e a Franco-Maçonaria cessou de ser, como o eram os ritos que ela pretendia perpetuar, uma escola de aperfeiçoamento, pois esse aperfeiçoamento, sem o seu verdadeiro fim, não conserva mais nenhuma razão de ser.

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