Lytton

E julga que a sua existência é melhor e mais elevada do que a dele? - perguntou Glyndon.- Não, - respondeu o sábio. A existência de Zanonié a da juventude; e a minha é a da idade madura. Cultivamos faculdades diferentes. Cada um de nós possuipoderes a que o outro não pode aspirar. Os seus associam-se à idéia de viver melhor, e os meus à idéia de saber mais.- Ouvidizer, realmente, - observou Glyndon, - que dos seus companheiros de Nápoles se notou que levavam vida mais pura e mais nobre, depois de terem entrado em relações com Zanoni; e, contudo, não é para estranhar que ele, um sábio, escolhesse semelhantes companheiros? Como também esse terrível poder que ele exerce à medida do seu desejo, como, por exemplo, o que manifestou na morte do Príncipe de * * * e na de Ughelli, muito pouco se pode conciliar com os sentimentos filantrópicos de quem busca ocasiões de fazer bem.- Tem razão, - respondeu 70 Mejnour, com um sorriso frio.- Semelhante erro comete sempre aqueles filósofos, que se mesclam com a vida ativa da humanidade. É impossível servir a uns, sem prejudicar a outros; é impossível proteger os bons, sem i ndispor-se com os maus; e quem deseja reformar os defeitos, há de descer a viver entre as pessoas que têm esses defeitos, para conhecê-los. Desta opinião é também o grande Paracelso, conquanto se[24] ti vesse equivocado freqüentemente. Pelo que me diz respeito, nunca cometereisemelhante loucura. Eu vivo só para a ciência, e na ciência; não mi sturo a minha vida com a vida da humanidade!Outro dia, perguntou Glyndon ao místico acerca da natureza dessa união ou fraternidade a que Zanoniuma vez se referira.- Julgo que não me engano, - disse o jovem, - suponho que o Senhor e ele pertencem à Sociedade Rosa-Cruz?- Pensa, - respondeu Mejnour, - que não tem havido outras uni ões místicas e solenes de homens que procuram os mesmos fins pelos mesmos meios, antes dos árabes de Damasco terem ensinado, em 41378, a um viajante alemão, os segredos que fundaram a Instituição dos Rosacruzes? Não nego, porém, que os Rosacruzes formavam uma seita que descendia de uma escola maior e mais antiga. Eles eram mais sábios do que os Alquimistas, assim como os seus mestres são mais sábios do que eles.- E quantos existem daquela ordem primitiva? - perguntou Glyndon.- Zanonie eu, - respondeu Mejnour.- Como? Somente dois! - exclamou, admirado, o jovem. - E possuem o poder de ensinar a todos o segredo de escapar à morte?- O seu avô alcançou este segredo; ele faleceu somente porque preferia morrer a sobreviver ao único ser que amava. Sabe, discípulo, que a nossa ciência não nos dá o poder para afastar de nós a morte, se a desejarmos, ou se ela for enviada pela vontade do céu. Estes muros podem esmagar-me, se caírem sobre mim. Tudo o que declaramos que nos é possível fazer é o seguinte:descobrir os segredos que se referem ao corpo humano; saber porque as partes se ossificam e a circulação do sangue se paralisa; e aplicar contínuos preventivos aos efeitos do tempo. Isto não é magia; é a arte da medicina bem compreendida. Na nossa ordem, consideramos como as mais nobres, duas ciências:a primeira é a que eleva o intelecto e a segunda é a que conserva a saúde e a vida do corpo. Porém, a mera arte, pela qual se fazem extratos dos sumos e das drogas que restabelece a força animal e detém os progressos da destruição, ou esse segredo mais nobre, a que agora me limitareia aludir somente, pelo qual o calor, ou o calórico, como o chamam, sendo, como Heráclito sabiamente ensinou, o princípio primordial da vida, pode empregar-se como um perpétuo renovador; esta arte repito, não seria suficiente para a nossa segurança. Possuímos também a faculdade de desarmar e iludir a ira dos homens, desviar de nós as espadas de nossos inimigos e diri gi-las umas contra as outras, e fazer-nos (senão incorpóreos) invisíveis aos olhos dos demais, cobrindo-os de névoa ou de escuridão. Alguns videntes disseram que este segredo residia na pedra ágata. Abaris o localizava em sua frecha. Eu lhe mostrarei, naquele vale, uma erva que produz um encanto mais seguro do que a ágata e a frecha. Numa palavra, sabe que os produtos mais humildes e comuns da Natureza são os que encerram as mais sublimes propriedades.- Porém, - objetou Glyndon - se possuiestes grandes segredos, por que se mostram tão avaros que não tratam de difundi-los? Pois não é verdade que o charlatanismo, ou a falsa ciência, difere da ci ência verdadeira e é indisputável nisto:que esta (a verdadeira ciência) comunica ao mundo os processos pelos quais obtêm as suas descobertas, ao passo que aquela (a ciência falsa, o charlatanismo) gaba seus maravilhosos resultados, negando-se a explicar as causas?- Disse bem, o lógico acadêmico! Mas reflete um pouco. Suponha que generalizássemos i ndiscretamente os nossos conhecimentos entre os homens, não só entre os viciosos, como entre os virtuosos; seriamos os benfeitores da humanidade, ou seriamos o seu mais terrível flagelo? Imagine o tirano, o sensualista, o homem mau e o corrompido, possui ndo estes tremendos poderes:não seria i sto soltar um demônio sobre a terra? Admitamos que o mesmo privilégio seja concedido também aos bons; e em que estado viria parar a sociedade? Numa espécie de luta titânica, - os bons sempre em defensiva contra os ataques dos maus. Na atual condição do mundo, o mal é o princípio mais ativo do que o bem e o mal prevaleceriam. É por estas razões que estamos solenemente comprometidos a não participar a nossa ciência senão aos que são incapazes de fazer dela mau uso e pervertê-la, como também baseamos as nossas provas inici áticas em experiências que purificam as paixões e elevam os desejos. E nisto a mesma Natureza nos guia e ajuda; pois ela estabelece terríveis guardiões e insuperáveis barreiras entre a ambição do vício e o céu da ciência superior.

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