Sobre a moderação..

”Não é sábio o sábio, nem justo o justo, se seu amor à virtude é exagerado” [Horácio]. 
   Trata-se de uma sutileza filosófica. Pode-se dedicar imoderado amor à virtude e ser excessivo em uma causa justa. Preconiza o apóstolo, a esse respeito, um equilíbrio razoável: ”Não sejais mais comportados do que o necessário; ponde alguma sobriedade no bom comportamento” [São Paulo]. Vi um dos grandes deste mundo prejudicar a religião por se entregar a práticas religiosas incompatíveis com a sua condição social. Aprecio os caracteres moderados e prudentes: ultrapassar a medida, ainda que no sentido do bem, é coisa que me espanta, se não me incomoda, e a que não sei como chamar. Mais estranha do que justa se me afigura a conduta da mãe de Pausânias que foi a primeira a denunciá-lo e a contribuir com a primeira pedra para a morte do filho.

   [A mãe de Pausânias depositara um tijolo diante do templo de Minerva onde se refugiara o rei, seu filho; os lacedemônios, aprovando-lhe o julgamento simbólico, ergueram muros em torno do refúgio e assim compeliram o prisioneiro a morrer de fome]; nem tampouco aprovo a atitude do ditador Postúmio mandando matar o filho que, no entusiasmo da mocidade, saíra das fileiras para atacar o inimigo, com felicidade aliás. Não me sinto propenso nem a aconselhar nem a imitar tão bárbara virtude, e tão cara. Falha o arqueiro que ultrapassa o alvo da mesma maneira que aquele que o não alcança. Minha vista se perturba se de repente enfrenta uma luz violenta, e então vejo tão pouco como na escuridão. 

   Cálices diz, em Platão, que a filosofia levada ao extremo é prejudicial e aconselha que não nos dediquemos a ela além dos limites de sua utilidade. Praticada com moderação é agradável e cômoda; mas se ultrapassa tais limites, ela acaba tornando o homem insociável e viciado, desdenhoso da religião e das leis que nos governam, inimigo da boa conversação, dos prazeres permitidos, incapaz de exercer funções públicas, de prestar socorro a alguém e a si próprio, bom para ser impunemente esbofeteado. Cálices tem razão: levada ao exagero, a filosofia escraviza nossa franqueza natural e, mediante sutilezas importunas, nos desvia do belo caminho que a natureza nos traça.

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