Eliphas Levi

O ideal divino do velho mundo fez a civilização que acabou, e não se deve desesperar ao ver o deus de nossos bárbaros pais tornar-se o diabo de nossos filhos mais esclarecidos. Fazem-se diabos com deuses de refugo, e Satã só é assim tão incoerente e tão disforme porque é feito com todos os retalhos das antigas teogonias. É a esfinge sem palavra, é o enigma sem solução, é o mistério sem verdade, é o absoluto sem realidade e sem luz. O homem é o filho de Deus, porque Deus, manifestado, é chamado o filho do homem. Foi depois de ter feito Deus em sua inteligência e seu amor que a humanidade compreendeu o verbo sublime que disse: Faça-se a luz! O homem é a forma do pensamento divino, e Deus é a síntese idealizada do pensamento humano. Assim, o Verbo de Deus é o que revela o homem, e o Verbo do homem é o que revela Deus. O homem é o Deus do mundo, e Deus é o homem do céu. Antes de dizer: Deus quer, o homem quis. Para compreender e honrar Deus todo-poderoso, é preciso que o homem seja livre. Obedecendo e abstendo-se por temor ao fruto da ciência, tendo sido inocente e estúpido como o cordeiro, curioso e rebelde como o anjo de luz, o homem cortou o cordão de sua ingenuidade e, caindo livre sobre a terra, arrastou Deus em sua queda. E é por isso que, do fundo dessa queda sublime, revela-se glorioso com o grande condenado do calvário e entra com ele no reino do céu. Pois o reino do céu pertence à inteligência e ao amor, ambos filhos da liberdade! Deus mostrou ao homem a liberdade como uma amante, e, para pôr seu coração à prova, fez passar, entre ela e ele, o fantasma da morte. O homem amou e sentiu-se Deus; deu por ela isto que Deus acabava de nos dar: a esperança eterna. Lançou-se em direção de sua noiva através da sombra da morte e o espectro desapareceu. O homem possuía a liberdade; tinha abraçado a vida. Expia agora tua glória, ó Prometeu! Teu coração devorado sem cessar não pode morrer; é o teu abutre e Júpiter que morrerão. Um dia despertaremos enfim dos sonhos penosos de uma vida atormentada, a obra de nossa provação terá acabado, seremos fortes o bastante contra a dor para sermos imortais. Então viveremos em Deus, numa vida mais abundante, e desceremos às suas obras com a luz de seu pensamento, seremos levados ao infinito pelo sopro de seu amor. Seremos, sem dúvida, os primogênitos de uma nova raça; anjos do porvir. Mensageiros celestes, vogaremos na imensidão e as estrelas serão nossas brancas naus. Transformar-nos-emos em doces visões para acalmar os olhos dos que choram; colheremos lírios resplandecentes em prados desconhecidos e espargiremos seu orvalho sobre a terra. Tocaremos a pálpebra da criança que dorme e alegraremos docemente o coração de sua mãe com o espetáculo da beleza de seu filho bem-amado.

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