Henri Durville

O Sábio que, assim, aprendeu a conformar a sua vontade ao plano da Sabedoria divina, cessa, quando adquiriu a iniciação, de ser um homem como os outros. Eleva-se acima deles, não por uma glória passageira, mas por um mérito durável que lhe vale uma imperecível coroa e o leva sem cessar cada vez mais próximo da Divindade.   "Aquele que, caminhando, se eleva e chega a ver todas as coisas deste ponto elevado e grande, pode compreender-nos."   Conhece a força do pensamento e a emprega para curar aqueles que sofrem de qualquer mal físico e moral. Estas qualidades, adquiridas pelo trabalho, esta direção útil do pensamento, são mais preciosas que o ouro e o diamante; por isso, o Sábio deve cultivá-las, deve guardá-las, como se guardam os mais raros tesouros.   "Para curar, o conhecimento do Espírito basta: não tem necessidade de tatear o pulso. É bom que os homens sejam todos como o ouro e o diamante e não como as coisas que podem ser compradas e ser conservadas com dinheiro. Aquele que guarda a ciência de seu espírito assemelha-se ao ouro e ao diamante e não às coisas fúteis. Está cheio de felicidades e de riquezas. Aquele que não guarda coisa alguma, abriga desgraça e miséria."   Esta ciência da cura não deve ser uma aquisição transitória da qual se serve em caso de necessidade e que se esquece desde que se prestou todos os serviços que se pode atingir. É o mais precioso de todos os bens e ele necessita de um cuidado contínuo para guardá-lo e crescer. O pensamento que não é exercido perde este poder mais precioso do que todas as riquezas; também o Sábio deve pensar sempre para ter o seu poder acrescido. Deve-se estar sempre em harmonia com a vontade superior para atingir a todo o bem.   "Se o Sábio possui o poder, que a sua iniciação permitiu adquirir, poderá fazer curas imediatas, com a única condição de que a sua fé e a do doente sejam perfeitas, e que o curador possua a confiança dos poderes superiores, esta franqueza e este saber que caracterizam o verdadeiro iniciado." "Diz esta ciência que se pode curar; é preciso sempre curar, pensar em curar, segundo a vontade do Céu. A ciência opera e a cura vem, imediata. Mas é preciso sempre, para vencer, operar com franqueza e confiança."   Instruído nas leis da evolução, o Sábio, na quarta parte do Tratado das Influências Errantes, fala aos homens de suas existências passadas. Ensina-lhes que esta vida é uma purificação, um caminho para um futuro imortal. A fim de que os maus venham a ser bons, mostra que os culpados sofrem depois da morte, mas a esperança lhes resta, porque este sofrimento os lava e os conduz à libertação. "Para uma ação má que os Santos conhecem e vingam, duas ações boas eliminam e livram." Assim, a salvação vem ao pecador que se reanima para o bem. Para concluir o propósito deste livro, Tratado das Influências Errantes, demonstra que, para avançar, é necessário adquirir qualidades fundamentais. Primeiramente o respeito e a disciplina são a base do ensino tanto iniciático como social. É com essas virtudes, exercidas com os outros e consigo mesmo, que todas as calamidades são evitadas nos Estados. O respeito nos habitua a receber humildemente o ensino salutar e a suportar as leis úteis que a disciplina nos impõe e que é preciso guardar alegremente como uma nota de harmonia pacífica do Império. É preciso fazer a educação de seu coração, dar-lhe o gosto e o sentimento das boas ações; desenvolver a sua energia para que venha a ser capaz destas ações poderosas, que mudam o mal em bem e a doença em saúde. É preciso desenvolver o espírito de modo que ele se imponha em seguida ou paralelamente. Se o coração é necessário para esta impulsão que projeta forças benéficas para aqueles que sofrem, o espírito não é menos indispensável para estabelecer estas forças, canalizá-las em vista de operar a cura dos males. Estas forças que nos ajudam no acompanhamento do bem são submetidas ao Sábio, quer seja vivo ou desencarnado. É o que diz este livro: "Quando eles são sábios, bons e estudiosos, mandam as forças errantes." O conhecimento da sobrevivência da alma é uma das crenças fundamentais do esoterismo chinês. Para os adeptos do Império Celeste, a alma sobrevive à morte e, pelo menos no tempo dado, guarda o amor de sua família. É o que dá tanta força ao culto dos antepassados, base primordial do Estado e da família, na China. É preciso ainda respeitar a Lei, porque a Lei que governa o país é o reflexo da harmonia ordenada pelo Ser Supremo; devemo-nos conformar com esta idéia e também evitar toda a possibilidade de perturbação na nação. É quando submeteu o seu espírito e o seu coração às potências superiores e dominou as forças materiais, que o adepto chinês pôde ser reconhecido Sábio. A mais alta imagem do Adepto foi formulada na China, na legenda do Dragão alado, cheio de mistério e de poesia. O Dragão, animal fabuloso, cujo corpo de serpente alada é coberto de escamas e as patas armadas de garras temíveis, representa o Verbo divino ou o iniciado formado à sua imagem. Este Dragão pode viver na água, sobre a terra e no ar. Conhece todos os segredos da Matéria e do Espirito. É o símbolo do iniciado que, por sua adaptação interior, pode viver sem dificuldades nos mundos superiores, médios ou inferiores, porque a essência dele é conhecida. A lenda conta que, um dia, o Dragão saiu do Rio Amarelo. Conduzia desenhados sobre as suas escamas, círculos de cor clara ou escura. A tradição afirma que isso foi para Fo-Hi a revelação dos trigramas do Yi-King, imagem perfeita da natureza que se desvenda diante do Sábio, quando tem merecido esta revelação. E' sobre as escamas de seu dorso que o Dragão conserva o seu saber. Ao longo de seu corpo todo onduloso, suas escamas são convertidas em figuras sagradas. Estas são imagens que, refletidas sobre o caos, têm-lhe imposto o seu ritmo e têm formado tudo o que existe sobre a terra. Do mesmo modo, o verdadeiro iniciado, que cumpriu as formas sagradas e que penetrou o seu espírito pela adaptação de sua vontade à uma vontade divina, pode, depois do exercício necessário de seu espírito e a matéria própria à imagem dar formas concebidas no seu espírito. Conhece o poder imenso do pensamento e os ritmos nas mais vastas medidas em que o homem está no direito de exercer o seu poder; repercute em torno dele. Mas não é senão depois de longos trabalhos e de sábios estudos que esse poder é conferido ao adepto; deve franquear muitos estados antes de cingir esta coroa. Estes estados da iniciação chinesa são figurados pelas seis maneiras em que o Dragão é representado; são também transformações daqueles que são chamados a seguir o caminho. É preciso deixar a matéria, simbolizada pela Água, que é a mãe universal e o seio onde se criam formas para ganhar o céu do Espírito. O Dragão, dissemos, pode viver na água, sobre a terra e no ar. Eis aqui as seis imagens que a tradição desenha: 1º. O Dragão oculto. O animal sagrado está metido no fundo das águas, o espírito está oculto na matéria; não experimenta nenhum desejo de subir à superfície, de sair de sua condição atual, de franquear, de evolucionar. Não conhece o Espírito que o criou. Não está preso à terra, às necessidades e aos prazeres do corpo, às satisfações sensuais, ao ganho material. Está ligado ao mundo físico, sem conceber coisa alguma. O ser ignora a sua verdadeira essência, a sua verdadeira natureza: está despojado de si mesmo. 2º. O Dragão no arrozal. Saiu das águas, tomou a consciência do mundo exterior. Está sobre a terra, mas sobre a terra lamacenta que afunda sob o seu peso. Caminha através dos altos caules do arrozal, agitando os brotos da planta pela ondulação do corpo. É o primeiro despertar da natureza espiritual. O sentimento da pesquisa vem ao espírito mas sob a forma de uma curiosidade passageira e sem fim. Um vago sentimento lhe mostra que, ao lado da água que é a matéria, um outro lado de vida, o ar, o mundo espiritual existe.   Mas esta sensação não produz nenhum fruto, não anima nenhuma mudança. É uma constelação e nada mais. Entretanto, uma primeira luz de inteligência começa a apontar. Certamente, o Dragão vive sempre em baixo sobre a terra, preso aos desejos materiais, que lhe parecem as únicas realidades. Mas, ao fundo de sua baixeza, ele começa a compreender que tem asas, entrevê, como um sonho, a alvorada do céu espiritual. 3º. O Dragão visível. Segundo a lenda, o Dragão eleva-se ao cimo das Águas gementes. É, sem dúvida, um desses períodos que fazem transbordar todos os rios e que inundam os campos.   Então, o Dragão é arrancado da terra pelas mesmas águas que o tinham preso à terra. É que ele nada à sua superfície em vez de deslizar ao fundo. É que ele, o ser humano, se eleva acima de seu plano primitivo; vê um conjunto do mundo; por mais restrita que seja esta vista, ela o instrui da vida exterior. Percebe nitidamente a existência do Espírito que fez este mundo admirável; compreende que a sua existência é necessária. Mas quanto é ainda retido no transbordamento de suas ondas revoltas! Concebe a existência do Espírito; vê toda a beleza; mas a força de vontade lhe falta para tentar elevar-se até ele. 4º. O Dragão saltitante. Neste momento, o ser compreendeu que não deve ficar no meio mórbido. Encontrou a terra firme, que lhe permite levantar, mas não tem a mínima consciência de suas asas; não pensa senão em se desprender para subir em um vôo esplêndido. Aspira a este mundo celeste do espírito do qual compreendeu a beleza, mas o ar o atrai tanto como a terra.   Possui certos meios, porém, deve adquirir outros. Não pode voar; não pode dar senão saltos que recaem sem cessar na vida material. A luta que sustenta é penosa e dolorosa. Feliz daquele que não a tem renunciado quando sucumbiu, porque a vitória exige a continuidade do esforço.   "Neste momento - diz o Yi-King - ele é como o peixe que sai da água, com a vontade, mas sem os meios de desaparecer".   É então o momento da escolha decisiva. Duas sendas se abrem diante da alma humana em trabalho: a. Apelo do Espírito. - Depois de mil ensaios infrutíferos, o Dragão, cansado de seus saltos inúteis, pode sentir subitamente as suas asas, abri-las completamente e subir em pleno céu, arrancando-se para sempre às coisas da terra. E' o apelo do Espírito, triunfante de todas as forças materiais, dos prazeres e dos apetites, dos temores e das violências. E' a perfeita união com Deus que, em via de cumprimento, revela ao ser seus verdadeiros meios de ascensão. b. Apelo da Matéria. - O Dragão está cansado ainda de seus saltos, mas não tenta abrir as asas; não padece tão violentamente o apetite do céu para as abrir de um só golpe, e desce para a lama; entra na água primitiva; renuncia ao céu do Espírito.   Neste momento, apresenta-se o problema absoluto: é preciso avançar ou recuar. O monstro alado desaparecerá no azul dos espaços celestes? Recairá nas profundezas dos abismos materiais? E' o jogo da grande luta que todos devem sofrer. 5º. O Dragão volante. Enfim, achou a sua Senda no domínio do Espírito. Voa e plana nos ares; desprende-se e evoluciona para q apelo divino das alturas. E' aí que se encontra a sua verdadeira pátria. Vai atingi-la, quebrando os seus laços, renunciando aos vãos fantasmas e às vãs miragens da terra. Goza a profunda alegria do iniciado; opera na plenitude de seu verdadeiro elemento. Penetra nos ritmos divinos que ele reconhece e que o arrebata na sua harmonia reencontrada. Pode colocar-se sobre a terra; mas subirá sempre, como o verdadeiro iniciado que não pode abandonar um momento o reino do espírito senão para socorrer aqueles que sofrem, mostrar a vida àqueles que a procuram, curar aqueles que estão doentes, praticar, em uma palavra, este altruísmo que é um dos fins práticos da alta iniciação. 6º. O Dragão planejante ou nivelador. Enfim, ao sexto e último estado o iniciado venceu todas as provas; sua missão não é mais da terra; plana no éter sobre o coração do sol, e o sol não o atrai. Ele não tem mais esforço a fazer para se manter nessas alturas. As altas atitudes povoam-se do coro dos inumeráveis astros; a grande calma dos espaços siderais acalma e espalha as suas faculdades sublimadas. Este azul, que a tanto custo reuniu, é o seu verdadeiro elemento; mantém-se sem fadiga. Sua alegria é infinita e contínua. Ele sabe que não acabará mais; está livre de entraves; achou, enfim, a sua Senda; vive plenamente a vida de Espírito.   Concebeu a Unidade divina. Percebeu que todos os ritmos que o encantaram outrora não são senão reflexos desta Unidade perfeita. Estes ritmos lhe são familiares e deles participa; estão nele porque são eles que o formaram e os goza de pleno acordo. Aqui termina o Ciclo humano. Aqui termina o ensinamento dos iniciados chineses. Depois, quando o espírito do homem atingiu a esta esfera de harmonias, entra ele em um Nirvana, na fusão completa com o Criador, nessas claridades diante das quais todos os sóis não são senão sombras. É a Paz definitiva, o inacessível Nirvana.

Nenhum comentário: