“Que o seu coração não se torne vaidoso por causa daquilo que sabes. Aconselha-te tanto junto do ignorante quanto do sábio. Porque não se atinges os limites da arte. E não existe artesão que tenha adquirido a perfeição. Uma palavra perfeita está mais oculta que a pedra verde. Encontra-se no entanto junto das criadas que trabalham na mo.”
Platão
Pois porventura desejaria quem já é grande ser grande, ou quem já é forte ser forte?
- Impossível, pelo que foi admiti-do.
- Com efeito, não seria carente disso o que justamente é isso.
- É verdade o que dizes.
- Se, com efeito, mesmo o forte quisesse ser forte, continuou Sócrates, e o rápido ser rápido, e o sadio ser sadio - pois talvez alguém pensasse que nesses e em todos os casos semelhantes os que são tais e têm essas qualidades desejam o que justamente têm, e é para não nos enganarmos que estou dizendo isso - ora, para estes, Agatão, se atinas bem, é forçoso que tenham no momento tudo aquilo que tem, quer queiram, quer não, e isso mesmo, sim, quem é que poderia desejá-lo? Mas quando alguém diz: "Eu, mesmo sadio, desejo ser sadio, e mesmo rico, ser rico, e desejo isso mesmo que tenho", poderíamos dizer--lhe: "0 homem, tu que possuis riqueza, saúde e fortaleza, o que queres é também no futuro possuir esses bens, pois no momento, quer queiras quer não, tu os tens; observa então se, quando dizes "desejo o que tenho comigo", queres dizer outra coisa senão isso: "quero que o que tenho agora comigo, também no futuro eu o tenha." Deixaria ele de admitir?
Agatão, dizia Aristodemo, estava de acordo.
Disse então Sócrates: - Não é isso então amar o que ainda não está à mão nem se tem, o querer que, para o futuro, seja isso que se tem conservado consigo e presente?
- Perfeitamente - disse Agatão.
- Esse então, como qualquer outro que deseja, deseja o que não está a mão nem consigo, o que não tem, o que não é ele próprio e o de que é carente; tais são mais ou menos as coisas de que há desejo e amor, não é?
- Perfeitamente - disse Agatão.
- Vamos então, continuou Sócrates, recapitulemos o que foi dito. Não é certo que é o Amor, primeiro de certas coisas, e depois, daquelas de que ele tem precisão?
- Sim - disse o outro.
- Depois disso então, lembra-te de que é que em teu discurso disseste ser o Amor; se preferes, eu te lembrarei. Creio, com efeito, que foi mais ou menos assim que disseste, que aos deuses foram arranjadas suas questões através do amor do que é belo, pois do que é feio não havia amor. Não era mais ou menos assim que dizias?
- Sim, com efeito - disse Agatão.
- E acertadamente o dizes, amigo, declarou Sócrates; e se é assim, não é certo que o Amor seria da beleza, mas não da feiúra? Concordou.
- Não está então admitido que aquilo de que é carente e que não tem é o que ele ama?
- Sim - disse ele.
- Carece então de beleza o Amor, e não a tem?
- É forçoso.
- E então? 0 que carece de beleza e de modo algum a possui, porventura dizes tu que é belo?
- Não, sem dúvida.
- Ainda admites por conseguinte que o Amor é belo, se isso é assim?
E Agatão: - É bem provável, ó Sócrates, que nada sei do que então disse?
- E no entanto, prosseguiu Sócrates, bem que foi belo o que disseste, Agatão. Mas dize-me ainda uma pequena coisa: o que é bom não te parece que também é belo?
- Parece-me, sim.
- Se portanto o Amor é carente do que é belo, e o que é bom é belo, também do que é bom seria ele carente.
- Eu não poderia, ó Sócrates, disse Agatão, contradizer-te; mas seja assim como tu dizes.
- É a verdade, querido Agatão, que não podes contradizer, pois a Sócrates não é nada difícil.
E a ti eu te deixarei agora; mas o discurso que sobre o Amor eu ouvi um dia, de uma mulher de Mantinéia, Diotima, que nesse assunto era entendida e em muitos outros foi ela que uma vez, porque os atenienses ofereceram sacrifícios para conjurar a peste, fez por dez anos recuar a doença, e era ela que me instruía nas questões de amor o discurso então que me fez aquela mulher eu tentarei repetir-vos, a partir do que foi admitido por mim e por Agatão, com meus próprios recursos e como eu puder. É de fato preciso, Agatão, como tu indicaste, primeiro discorrer sobre o próprio Amor, quem é ele e qual a sua natureza e depois sobre as suas obras. Parece-me então que o mais fácil é proceder como outrora a estrangeira, que discorria interrogando-me, pois também eu quase que lhe dizia outras tantas coisas tais quais agora me diz Agatão, que era o Amor um grande deus, e era do que é belo; e ela me refutava, exata-mente com estas palavras, com que eu estou refutando a este, que nem era belo segundo minha palavra, nem bom.
E eu então: - Que dizes, ó Diotima? É feio então o Amor, e mau?
E ela: - Não vais te calar? Acaso pensas que o que não for belo, é forçoso ser feio?
- Exatamente.
- E também se não for sábio é ignorante? Ou não percebeste que existe algo entre sabedoria e ignorância?
- Que é?
- 0 opinar certo, mesmo sem poder dar razão, não sabes, dizia-me ela, que nem é saber - pois o que é sem razão, como seria ciência? - nem é ignorância - pois o que atinge o ser, como seria ignorância? - e que é sem dúvida alguma coisa desse tipo a opinião certa, um intermediário entre entendimento e ignorância.
- É verdade o que dizes, tornei--lhe.
- Não fiques, portanto, forçando o que não é belo a ser feio, nem o que não é bom a ser mau. Assim também o Amor, porque tu mesmo admites que não é bom nem belo, nem por isso vás imaginar que ele deve ser feio e mau, mas sim algo que está, dizia ela, entre esses dois extremos.
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